quinta-feira, janeiro 22, 2009
quinta-feira, novembro 08, 2007
Entre o mercado e a crítica
sexta-feira, abril 20, 2007
Questões de método, teoria e prática...
Caros amigos, depois de muito tempo sem escrever no blog, me vejo tomado por uma inspiração de novamente fazê-lo. E não é uma inspiração qualquer. Depois do meu 8º semestre no curso de Ciências Sociais, acho que compreendi ou estou no caminho de compreender o que é, de fato, esta tão polêmica Estrutura Social. Sempre tive muitas dúvidas a seu respeito. A estrutura social são as normas gerais de condutas, a moral e toda aquelas regras tácitas e explícitas; são a cultura e os hábitos, costumes e a organização simbólica; ou são as posições que cada indivíduo ou grupo social ocupa na sociedade, a exemplo da divisão social do trabalho ou da estrutura de classes? Penso ter desenvolvido um pequeno esquema que resume o que seria a Estrutura Social incluindo essas noções e mais algumas outras.
Esse esquema foi desenvolvido na aula de Antropologia Simbólica, ministrada por Tromboni, e a partir dos insights que a mesma e o mesmo vêm me proporcionando. Claro está que, como qualquer esquema, este também é arbitrário e pode conter defeitos de realidade, por assim dizer, ou de inteligibilidade. De fato, acho que ele peca pela simplicidade – o que também pode ser uma qualidade – e pela tentativa de ser pedagógico, admito que para mim mesmo essa necessidade. De qualquer forma, acredito que a partir do esquema podemos compreender melhor que é Antropologia, Sociologia e Ciência Política, bem como tornar mais claro o que é o método estruturalista e a hermenêutica. Como ele contém setas e componentes gráficos, fiz um desenho um tanto quanto simplório, mas que me parece suficiente para os objetivos desta postagem. Quero deixar claro, entretanto, que a ordem do esquema poderia ter sido alterada e colada de baixo para cima. Todavia, assim o fiz, pensando em axiomas básicos que tornam possível a existência da próxima etapa, embora saiba que um momento não existe sem o outro e que estão todos em relações constantes. Pois bem, segue o famoso e, a partir de agora, me permitam ser um pouco mais formal e escrever na 2º pessoa do plural.
O primeiro elemento é a “estrutura básica da unidade psíquica do homem”. Pensamos que este elemento se mostra fundamental na constituição da estrutura social, uma vez que ele faz parte do aparelho biológico do homem e do qual todas as emanações de elementos simbólicos e organizadores podem aparecer. É desta tal unidade que compreendemos que todos os homens são iguais em potencial, a despeito de sua cultura, grupo ou etnia.
O segundo elemento é a estrutura de relações lógicas. Esta estrutura mantém com a primeira uma relação inata. Isso quer dizer que ainda estamos em um momento de mediação biológica da estrutura social. Entretanto, o que diferencia a “estrutura de relações lógicas” da unidade psíquica do homem é o grau de sofisticação e realização daquela. Enquanto que a primeira do esquema de configura em um elemento que proporciona, por assim dizer, uma potencialidade a todos os homens, a segunda se configura como a realização primeira deste potencial. Ainda estamos no âmbito do aparelho biológico e isso significa que todos os homens têm um inconsciente regido por operações lógicas comuns.
Em terceiro lugar, emerge a estrutura simbólica, i.e, a cultura. As definições de cultura são muitas, mas o importante é compreender que a cultura é um sistema simbólico, de relações entre elementos objetivos e subjetivos, significantes e significados, tendo, entretanto, estes últimos uma dinâmica própria, não passível de definição clara, dos quais emergem uma gama de relações, interpretações, significações e re-significações individuais, grupais, societais. A cultura mantém com a estrutura de relações lógicas uma relação inconsciente, na medida em que ela se organiza a partir de operações lógicas comuns entre todos os homens, mas é essa organização que se diferencia de um grupo para o outro, enfim, de uma cultura para outra. É o arranjo que define culturas diferentes, entretanto, as operações lógicas que subjazem essas operações são as mesmas. Podemos dizer que a relação entre essas duas dimensões se dá no nível inconsciente porque não há dialogo racional e consciente na relação das operações lógicas com o emergir de uma cultura.
Continuando, cada cultura, dependentemente do seu arranjo, constitui uma outra estrutura, a saber, a estrutura de posições ou papéis sociais. Essa estrutura é aquela que representa as posições que cada indivíduo, grupo, nação ou quaisquer outras categorias analíticas ocupam nas relações sociais. Podemos observar que essa estrutura de posições pode ser caracterizada a partir de uma série de fenômenos. Classicamente, foram abordadas as estruturas de classe e a divisão social do trabalho. Todavia, podemos dividir a estrutura em várias posições, pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, professores e alunos, etc. A depender do estudo que se possa fazer, a estrutura de posições sociais pode ser caracterizada de diversos modos diferentes e de acordo com os mais variados objetivos. Entretanto, acreditamos que a estrutura de classe a divisão social do trabalho continuam sendo as estruturas de posições e papéis mais utilizados nas Ciências Sociais. A partir desta estrutura, passamos a ter relações dialógicas entre as estruturas precedentes e as atuais, por assim dizer. Isso quer dizer que essas relações não são mecânicas, ou seja, dependem de elementos simbólicos, da racionalidade do homem, do seu interesse e da forma como ele significa e re-significa a realidade social, os papéis sociais e cosmologia que guia – e guiar não quer dizer determinar – as suas experiências.
Por fim, incluímos aqui a ação social. Esquecida pelos estruturalistas e idealizada talvez pela hermenêutica, consideramos a ação social como parte fundamental da Estrutura Social. Sem ela, não poderia haver elementos que dessem vida a qualquer das estruturas. Ação Social, onde há espontaneidade, onde há criatividade, onde há racionalidade, mas também onde há elementos arraigados, coerções, elementos morais. A ação não é determinada por nenhuma das outras estruturas, mas também não pode existir sem que as estruturas existam. Se as normas não conseguem abarcar todas as experiências cotidianas vividas pelos atores sociais, a Ação Social também não pode ocorrer sem nenhuma fundamentação com a qual possa dialogar. A Ação Social não apenas dialoga com a estrutura de posições, mas também com a estrutura simbólica. É a partir dela que se constroem as duas estruturas e a partir das duas estruturas que se constrói a Ação Social. São produção e reprodução da vida social. São elementos unos, que não pode ser separáveis a não ser do ponto de vista pedagógico. A Ação Social mantém com as outras estruturas a relação dialógica por excelência, exercendo toda a potencialidade reflexiva do ser humano.
Dissemos-lhes, anteriormente, que a partir deste esquema, seria possível compreender melhor o que é a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política. Acreditamos que podemos, pelo menos, clarear essas diferenças, mas não do que é cada ciência, mas sim do que tem sido. Essa explicitação pode ser bastante controversa na medida em que cada ciência mantém abordagens diferentes dentro do seu escopo, a depender, principalmente, do referencial teórico-metodológico, ou seja, do prisma com o qual a realidade vai ser lida. Não podemos, entretanto, confundir objeto com método, mas, grosso modo, acreditamos que o objeto pode ser descrito pela importância de cada dimensão do esquema para cada ciência e o método pela relação escolhida para abordar estas dimensões. De qualquer forma, estaremos lidando com as definições clássicas e simples, por vezes simplórias, de cada uma destas ciências, apenas com o intuito de situar suas diferenças.
Pois bem, de uma maneira geral, acreditamos que a Antropologia talvez seja, das três, a ciência mais completa e mais ampla. A antropologia parece abordar as cinco dimensões da Estrutura Social. Na verdade, acreditamos que a Antropologia, a despeito de suas grandes pretensões, acaba por enfocar mais as estruturas de relações lógicas e as estruturas simbólicas. Estamos falando de Antropologia e não de Etnologia. Entendemos Antropologia como a Ciência que estuda o homem, principalmente através de sua estrutura simbólica, ou seja, a cultura. A Etnologia talvez se mantivesse, preferencialmente, dentro da relação entre as estruturas simbólicas, de posições e a ação social. A Antropologia estrutural e a hermenêutica se diferenciam pela relação que vão privilegiar dentro destas estruturas preferenciais. Podemos dizer, grosso modo, que a Antropologia estrutural, definitivamente, estuda a estrutura de relações lógicas e o sistema simbólico, compreendo a ação social como confirmador dessas operações, leis e formas e enfocando a relação inconsciente que esta tem com a cultura e estas operações. A Antropologia hermenêutica se foca mais nas relações dialógicas que se estabelecem entre a ação social, a estrutura de posições (sem aprofundar demasiadamente) e a estrutura simbólica. Não confundamos, porém, Antropologia Hermenêutica e Etnologia. A Etnologia parece tratar-se mais de um momento de campo, mais específico e a Antropologia Hermenêutica, mesmo se baseando nas mesmas relações, pretende, de alguma forma, compreender o homem na sua totalidade, dentro de relações sociais totais, o que não significa dizer coercitivas e sem espontaneidade ou liberdade.
Quanto à Sociologia, a compreendemos, a princípio, como a definição clássica da relação entre indivíduo e sociedade. Isso nos remete, no nosso esquema, a ação social e a estrutura de posições. Acreditamos que a Sociologia tem sido, por excelência, a Ciência que estuda esta estrutura de posições em relação com a ação social. Dependendo do método escolhido, poder-se-ia focar mais na estrutura de posições (análises estruturais que deram origem a MacroSociologia), como é o caso do Marxismo, das obras de Durkheim e seus seguidores, do Funcionalismo, o Estrutural-Marxismo entre outras correntes. Ou poder-se-ia focar a Ação Social e todo o mecanismo individual e interacional que tornam possível a vivência cotidiana dentro de uma sociedade, como é o caso da Escola de Chicago, Fenomenologia, Etno-Metodologia, entre outras escolas (análises hermenêuticas, compreensivas ou interpretativistas que deram origem a MicroSociologia).
Por fim, acreditamos que a Ciência Política, definitivamente, pretende estudar a Estrutura de Posições e sua relação com a Ação Social de uma ótica específica. Compreendendo Ciência Política como a Ciência que estuda as relações de poder, principalmente dentro do âmbito do Estado e das Instituições Políticas consensuais de uma sociedade, fica claro que seu objeto de estudo se situa dentro da Estrutura de Posições, focando as posições decorrentes de poder instituído e tido como legítimo, pelo menos por uma grande parte dos atores, e privilegiando sua relação com uma a Ação Política. Em termos de método, salvo engano, acreditamos que a Ciência Política não venha trabalhando muito com a hermenêutica. Acreditamos que a análise estrutural da organização do Estado e das instituições prevaleça nesta Ciência até pelos motivos óbvios de que as Estruturas Políticas são as mais coercitivas e com as quais é mais difícil de dialogar. Isso não significa que não haja diálogo ou que o ator político seja determinado por estas estruturas. Por isso, a hermenêutica talvez possa ser usada, da mesma forma que na Sociologia, para estudar a relação entre a Ação Política e as estruturas institucionalizadas.
De uma maneira geral, definimos o método estrutural como aquele que se foca nas estruturas de relações lógicas, no sistema simbólico (apreendendo este como um sistema realmente) e nas estruturas de posições, argumentando que ele procura compreender a Ação Social a partir das estruturas subjacentes e inconscientes que guiam toda e qualquer espécie de experiência cotidiana. Definimos, também, hermenêutica como aquele método que pretende compreender a Ação Social, estudando os sujeitos sociais, suas motivações, sua subjetividade, as relações que travam com os outros sujeitos sociais nas suas experiência cotidianas e procurando compreender como é deste nível de relações que a sociedade e a estrutura emerge. Na nossa concepção, temos dois métodos importantes, mas que têm sido equivocadamente utilizados nas Ciências Sociais. O estruturalista ruim é aquele que leva em conta a Ação como mera repetição de normas gerais e a interpretação hermenêutica equivocada é aquela em que a subjetividade e o ator social são demasiadamente idealizados como se fosse possível viver sem qualquer tipo de orientação moral, cultural ou de papel social. Acreditamos que o verdadeiro método das Ciências Sociais é aquele da síntese.
Estamos em momento de síntese, não há mais lógica para que contradições continuem a ser perpetuadas apenas como forma de aumentar os privilégios políticos de cada grupo. A BOA Ciência Social é aquela que compreende que há, sim, estruturas anteriores, cristalizadas, por vezes, institucionalizadas e que qualquer ator social se vê as voltas com ela em todas as ações que impetra. Entretanto, essas regras são por demais gerais para normatizar todas as esferas da experiência cotidiana (Como diria este blog). O sujeito tem criatividade, tem liberdade, tem espontaneidade, tem relações e interpretações corpóreas, significa e re-significa, produz e reproduz a realidade que conformam, por excelência, a vivência deste ator no mundo. É o tão famoso Mundo da Vida. Não há quaisquer estruturas sem Mundo da Vida e não há Mundo da Vida sem quais orientações prévias.
Enfim, meus caros (agora falo em primeira pessoa), coloquei à análise de vocês esses insights. De fato, esta postagem tem por objetivo que minhas idéias passem pelo seus crivos. Elas ainda estão em maturação e, como melhor forma de objetivar idéias, decidi escrever para ver quais seriam as críticas e sugestões. Por favor, não temam em fazê-las. Acho que esta discussão, por demais teórico-metodológica para alguns, é importante para nossa formação.
sexta-feira, janeiro 19, 2007
Contingências da Fortuna e o dom da Virtú: na política e no amor
No já citado O Príncipe, Maquiavel parte da premissa básica de que a moral política é diferenciada de outras espécies de moral, e portanto possui uma lógica própria.Sendo assim, o governante, ou príncipe, precisa jogar esse jogo, se deseja se manter no poder. Limitar-se pela moral social,ou religiosa, levará qualquer governante ao fracasso. O cara que governa deve, então, submeter-se à táticas que seriam moralmente condenáveis pela sociedade mas que, sob a ótica da moral política, são perfeitamente aplicáveis. A moral política baseia-se no sucesso: deu certo, é bom; deu errado, condene-a. Foi aqui, em Maquiavel, que os políticos aprenderam que dar ouvidos a protestos da sociedade civil é uma tática muito mais eficiente do que preocupar-se de fato com os motivos deles: a sociedade normalmente fica satisfeita em apenas ser ouvida. Sim, meus caros, foi em Maquiavel que a coisa começou a desandar...Mas esse não é o ponto aqui. Vamos então ao ponto. A correlação com fortuna e virtú é um aspecto interessante dessa teoria maquiaveliana. Virtú, a capacidade do político lidar com os intempérios das circunstâncias, é uma habilidade que certamente não é dispensável no caminho para o sucesso. Maquiavel a trata como algo inato. É como se fosse um dom. Nesse ponto, fica dificil não lembrar: como o nosso presidente tem virtú, não acham? A Fortuna, por sua vez, significa sorte mesmo. O político tem que ter sorte, ou seja, as circuntâncias têm que jogar a favor dele, por que se não, não há virtú que dê jeito...
Bom, sem mais demoras nessa parte, posto que é fácil perder o foco nessa brincadeira de blogar. As estratégias que Maquiavel apresente em seu livro partem da premissa - igualmente básica - de que o príncipe quer, mais que ninguém, se manter no poder. Querendo isso mais que ninguém, ele vai aplicar corretamente sua virtú, fazendo a fortuna trabalhar ao seu favor.
Imaginem agora um individuo, do sexo masculino, solteiro nessa terra quente chamada Salvador. Ele acorda todos os dias e se olha no espelho. Ao olhar-se, ele afirma: "que maravilha! tenho o dia livre, pois estou sol-tei-ro!" Tudo que ele quer é continuar solteiro, ele quer agarrar essa liberdade e não solta-la tão cedo. Ah, mas isso não é nada fácil. Diria que uma dose de virtú e uma ajudazinha da fortuna são fatores determinantes na vida desse pobre individuo. Agora vamos aos porquês...
Primeiro, porque ele quer ser solteiro, mas nunca ficar sozinho. A necessidade de enamorar-se vez ou outra é bem humana, como já disse... quem disse isso mesmo? Enfim, ele quer, ele vai à luta. Ele (as feministas vão cair da cadeira) caçam. Sim, caçam. Ou alguém vai ter coragem de me dizer que festas como o Bonfim Light não são verdadeiras caçadas? As estratégias de caça não estão ao alcance de todos. Seria preciso ressuscitar Maquiavel para que ele nos explicasse como aprender a lidar com esse tipo de situação.. Ah, ele nunca faria isso. Virtú não se ensina...
Segundo, porque ele quer enamorar-se, mas jamais namorar! Ai, depois que ele se dá bem na caça, vem o problema: a moça gostou demais dele. Gostou mais do que ele queria. Como dizer a ela que ele não está interessado em se envolver, mas aceita a idéia de vê-la vez ou outra, para conversarem e, quem sabe...Ou seja, virtú, sempre virtú!
Terceiro, e mais importante, a fortuna. Como fazer a fortuna alinhar-se aos seus planos? Sim, pois, de fato, o inverso do último fator acontece. Não necessariamente o inverso, mas uma situação diferente: o individuo se envolve mais do que queria, também. Nesse caso, a fortuna trabalha contra suas intenções. Se envolver não faz parte da intencionalidade do individuo, e sim da estrutura que o cerca. Quando a fortuna age contra, diria Maquiavel,é porque o príncipe não era merecedor do sucesso, pois só a junção da virtú com a fortuna o garantiria. Desta forma, cai o príncipe, e cai o individuo solteiro. Esse último, imbecilizado pela envolvimento desafortunado, começa a achar que nunca quis ser solteiro. Imagine, toda aquela liberdade, toda aquele mundo a descobrir.. O imbecil começa a achar tudo inútil. Percebe que toda a série de estratégias que tentou aprender, toda a virtú para o sucesso na solteirice que ele pensou ser inata, tornam-se desgraçadamente inúteis quando o objetivo se esvai. Cai o príncipe, cai o solteiro. Diferente do primeiro, o segundo rí a toa ao notar que fora abandonado: por Maquiavel, pela fortuna e pela virtú...
domingo, dezembro 24, 2006
Divagações acerca do desespero da existência com auxílio de Fernando Pessoa
Os bebês recém-nascidos – dizem os especialistas em bebês recém-nascidos, bebêlólogos, talvez – sofrem de um tipo peculiar de desespero: o da auto-destruição. Ao se verem desligados do corpo materno, do qual julgavam ser parte, os bebês se sentem soltos na realidade total e não conhecem as fronteiras que limitam o espaço do eu e do não-eu. Em resposta ao simplório gesto de mexer a perna eles podem sofrer graves confusões psíquicas: será que a perna não vai arrancar??
Adultos também sofrem de pesadelos psíquicos como esse. A pulsão de morte – Tanatos – permanece como uma das principais forças impulsionadoras da existência, pois nos permite enxergar os extremos que, bebês, não víamos com clareza. O sentimento de que podemos nos desintegrar nos acomete a todo momento e são contra-balanceados pela pulsão de vida – Eros. Daí detestarmos ver fotos do assustador.com. Ali percebemos que podemos ficar daquele jeito: estilhaçados, estripados e com as carnes espalhadas pelo chão. Outros momentos são menos drásticos: o sexo, por exemplo, quando, no momento do gozo, desejamos nos fundir (não leiam errado) ao outro.
Esses pensamentos me vieram à cabeça após ler alguns versos do Álvaro de Campos (meu Fernando Pessoa preferido):
O horror e o mistério de haver ser,
Ser vida, ladearem-me outras vidas,
Haver casas e coisas em meu torno –
A mesa a que me encosto, a luz do sol
No livro em que não leio por alheio –
São fantasmas de haver... são ser absurdo
São o mistério inteiro cada coisa.
Haver passado, com gente nele, e outros
Presentes, e o futuro imaginado –
Tudo me pesa com o mistério dele,
E me apavora.
O que em mim vê tudo isto é o próprio isto!
É incrível pensar como somos parte nula da realidade total que transcende a condição temporal inventada pela mente humana. Há o livro que não li, o lugar que não conheci, a mulher que não beijei, o tempo que não conheci e tudo isso se conta ad infinitum. Resta-me o ser parco que possuo. E nesse ser, ser, em sonho, algo grande. Algo que importa ao mundo. Algo que, ao deixar de existir, fará com que gemidos de comiseração sejam ouvidos em todo o horizonte distante. É o que Campos vai chamar de “uma vontade física de comer o universo”.
Mas será ele mesmo quem decreta a inutilidade schopenhauriana da vontade. A respeito do post-mortem:
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas.
Depois a retirada preta para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada. Absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala de ti.
Encara-te a frio e encara a frio o que somos...
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti porque é a ti que te sentes
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites de tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
E aqui, então, Campos conseguiu falar quase tudo o que eu queria. Aproveitando as férias continuarei estes pensamentos em outra ocasião.
sábado, dezembro 16, 2006
Das contradições...
domingo, dezembro 10, 2006
Análise das categorias nativas “amor” e “paixão” a partir do arcabouço conceitual criado por Zezé Di Camargo e Luciano.
Cada volta é um recomeço
Zezé Di Camargo e Luciano
MAIS UMA VEZ
O CORAÇÃO ESQUECE TUDO
QUE VOCÊ ME FEZ
EU VOLTO PRA ESSE AMOR INSANO
SEM PENSAR EM MIM
PRA RECOMEÇAR, JÁ SABENDO O FIM
MAS É PAIXÃO
E ESSAS COISAS DE PAIXÃO
NÃO TÊM EXPLICAÇÃO
É SIMPLESMENTE SE ENTREGAR
DEIXAR ACONTECER
EU SEMPRE ACABO ME ENVOLVENDO
COM VOCÊ
REFRÃO:
NESSES DESENCONTROS EU INSISTO EM TE ENCONTRAR
COMO SE EU PARTISSE JÁ PENSANDO EM VOLTAR
COMO SE NO FUNDO EU NÃO PUDESSE EXISTIR
SEM TER VOCÊ
TODA VEZ QUE EU VOLTO
EU TE VEJO SEMPRE IGUAL
COMO SE A SAUDADE FOSSE A COISA
MAIS BANAL
E EU CHEGANDO SEMPRE
COMO UM LOUCO PRA DIZER
QUE AMO VOCÊ
QUE ME LEVE PELA VIDA AO CORAÇÃO
COMO VERSOS PRA CANÇÃO
VOLTO PRA VOCÊ, VOLTO PELO AMOR
NÃO IMPORTA SE É UM SONHO PELO AVESSO
CADA VOLTA É UM RECOMEÇO
MAS É PAIXÃO...
Ao analisarmos as categorias nativas “amor”, como amor romântico, e “paixão” utilizadas cotidianamente para apreender as experiências dos sujeitos em nossa sociedade, podemos perceber que elas mantêm uma relação fluida de diferenciação, se aproximando ou se distanciando de acordo com as situações em que são empregadas e com os sujeitos envolvidos nas mesmas. Essas duas categorias que replicam emoções aparecem muitas vezes fundidas e são entendidas como componentes de uma mesma relação. De fato, diversas vezes, as categorias amor e paixão são utilizadas como parte de um mesmo processo e, às vezes, como um mesmo sentimento ou emoção. Todavia, podemos notar também que há um processo de significação que aponta no sentido de diferenciar as duas categorias. É neste sentido que entendemos que “amor” e “paixão”, na sua comparação, são compreendidos de maneira fluida, pois embora possam se mesclar, mantêm algumas diferenças fundamentais. Tentaremos, portanto, expor a forma como essas categorias são utilizadas em diferentes situações, desde as suas similitudes às suas diferenças.
Amor e paixão geralmente definem sentimentos e emoções experenciados em relações que envolvem no mínimo duas pessoas, não necessariamente do mesmo sexo, e em que existe a possibilidade do intercurso sexual. Essas duas categorias se aproximam na medida em que definem situações que envolvem o “desejo carnal”. Nota-se, entretanto, que estamos nos referindo a um amor contemporâneo em que o desejo e a sexualidade são condições sine qua non da relação, em detrimento daquela visão passada de amor puro e inocente. Claro está, porém, que isso é uma escolha metodológica e que a categoria “amor puro” ainda existe na realidade das relações, ainda que acreditemos que ela tende a se dissipar frente às mudanças da contemporaneidade.
Também é importante lembrar que o desejo não necessariamente é recíproco e que nem sempre chega ao conhecimento de todos os envolvidos na situação, constituindo o famoso “amor platônico” ou a “paixão não-correspondida”. Outro exemplo de aproximação das categorias está no caso da “paixão à primeira vista”. Os nativos, quando interpelados sobre o que seria a paixão, evocam adjetivos como “súbito”, por exemplo. No entanto, esse adjetivo também é utilizado para entender o “amor à primeira vista”. Essas últimas categorias estão muito próximas, a ponto de sua diferenciação constituir um empreendimento metodológico de difícil apreciação, ainda mais quando não conseguimos manter um estranhamento suficiente das mesmas. Soma-se a isso a dificuldade em separar as categorias que os nativos em geral utilizam para apreender e compreender o mundo das nossas próprias versões dessas categorias, filtradas pela nossa experiência pessoal.
No entanto, embora existam aproximações entre “amor” e “paixão”, existem também diferenças. A paixão é sempre definida como algo delirante, incontrolável e, muitas vezes, passageiro. Os apaixonados são acusados de irresponsáveis por não serem capazes de controlar suas emoções e seus atos. São acusados de agir sem pensar, se expõem ao ridículo frente aos outros. O sujeito torna-se objeto da paixão, um simples joguete nas mãos do destino, como disse Shakespeare em Romeu e Julieta. Mas Romeu e Julieta não teriam vivido o maior amor de todo os tempos? Em que medida esse amor está imerso na paixão e vice-versa?
O amor, além da idéia de destino, envolve também a idéia de algo mais permanente, estável, sereno e definitivo, eterno. O amor remete principalmente a segurança. O amor é um processo, uma construção cotidiana que envolve companheirismo, confiança e cumplicidade. Dentro da visão de amor, o sujeito é capaz de abdicar do objeto de seu desejo em nome do bem-estar desse objeto, enquanto que na paixão a posse do objeto constitui a principal motivação do ser apaixonado. A paixão dá idéia de algo avassalador, que possui o amante como um demônio. O amante passa a não ter controle do próprio desejo, se entrega a ele. Mas se nem sempre os próprios apaixonados ou os que amam conseguem definir se o que sentem é amor ou paixão, existe de fato alguma diferença entre esses dois sentimentos?
Muitas vezes o que define a situação é a acusação do outro, como quando uma situação é definida como “simples paixão”, no sentido de que é algo passageiro e com o qual os envolvidos não deveriam desperdiçar seu tempo ou energia. No entanto, embora a “simples paixão” possa ser mal vista, a paixão que acompanha o amor certamente não o é. Mas seria todo amor acompanhado de paixão? Seria a paixão uma possível porta para amor?
Na música de Zezé Di Camargo e Luciano, essas duas categorias são utilizadas no que podemos definir como amor insano, que configuraria um processo de sentimento permanente, como no caso do amor romântico, e ao mesmo tempo dominaria o sujeito a ponto de ele tornar-se o objeto desse amor insano, com a idéia de descontrole das próprias ações que envolve a paixão. A falta de explicações para os sentimentos do eu lírico da música remetem à idéia de destino. O amor insano não constitui uma categoria amplamente difundida, mas é um bom exemplo de como as categorias amor e paixão se fundem no processo de experenciar o mundo em que vivemos.
Para dificultar ainda mais o processo de definir relações, sentimentos e emoções a partir das categorias “amor” e “paixão”, nosso mundo assiste hoje ao surgimento de diversos novos tipos de relação que envolvem diferentes gradações de tempo e comprometimento que muitas vezes não se adequam perfeitamente às categorias existentes. No entanto, por falta de outras categorias ou devido ao processo muito recente de construção dessas outras, “amor” e “paixão” ainda são tomados mesmo que como referenciais negativos.