sexta-feira, dezembro 01, 2006

Experiências acerca doTempo e da Trajetória em contexto de Presente Perpétuo

Falar sobre Tempo é falar sobre a vida, a existência e sua experiência, o projeto eternamente inacabado chamado Homem. Em uma época onde a experiência temporal concentra-se majoritariamente no instante, perde-se a capacidade de acumular. Se por um lado cada experiência passa a ser única, por outro passa a ser, também, efêmera. É nesse sentido que o Homem na pós-modernidade não mais reconhece a própria trajetória. Imerso num presente sempre esfuziante e alucinante, vive sem olhar para trás, sem aprender como potencialmente poderia e, como resultado, acaba por não haver vislumbre de futuro algum. Este passa a ser ilusão: o futuro empobrecido passa a ser interpretado como o presente que chegou; o passado é o presente que passou. A trajetória não deixa de existir, obviamente. Apenas o seu reconhecimento é que sucumbe. O Homem tornado um ponto ao vento evidencia a morte do homem moderno: o Sujeito kantiano soberano, senhor de si mesmo; o Ser absoluto de Hegel, auto-consciente; o além-do-homem, ser dançante nietzscheano e o homem-projetável sartreano – resta, talvez, a máscara caquética destas construções.

Tenho vivido alucinadamente a minha vida cotidiana, conforme me prega a moral hedonista dominante. E alucinadamente não significa necessariamente prazerosamente, mas apenas “com ausência de tempo”. Vamos fazer isso? Não posso. Estou sem tempo. Estas são as três sentenças que bem representam a contemporaneidade. E com isso minha vida ia sendo vivida sem mim. Sem que eu me desse conta de que existe algo chamado tempo e que minha trajetória é um continuum de é, foi e está sendo dentro deste tempo. E que, ainda no tempo, minha trajetória findará.

Os homens pré-modernos e modernos viviam sempre em reflexão acerca de si mesmos. Não porque a Filosofia estivesse na moda, mas simplesmente por ausência de atividades que ocupassem a própria mente. Meu avô passava horas na beira do rio pescando quando era jovem e dizia que ali, naqueles instantes a sós com os peixes, ordenava toda a sua vida na própria cabeça. Hoje em dia, quando tempo temos, tratamos logo de ocupá-lo com algum barulho que nos remeta ao presente perpétuo. E eu já falei acerca disso em outra oportunidade. Fato é que não suportamos mais pensar sobre nós mesmos. Vamos vivendo a vida como ratos em labirinto em experiência de laboratório: onde der para ir a gente vai; quando aparecer obstáculo a gente desvia. É uma forma covarde de não sentir o peso da estrutura social: ao invés do combate, a subordinação total. Baudrillard, no entanto, nos diz que essa subordinação é a forma extrema de combate, pois esvazia a estrutura de sentido. No hiper-fluxo de Signos não há significação alguma. Daí voltamos ao barulho. Que é o barulho? A super-exposição dos canais auditivos à fontes sonoras intensas e variadas. Que se apreende do barulho? Pouca coisa. Talvez uma ameaça potencial. Talvez um aliado do prazer, como nas discotecas. De qualquer forma, nunca se apreende um continuum de Sentido. Apenas inserções pontilhadas constantes de Sentidos Sem-Sentido, sem história, sem trajetória. O iPod é um dos principais instrumentos desta pós-modernidade que rejeita a trajetória. O ônibus para a Faculdade, um dos meus momentos de mais profunda reflexão filosófica, foi tomado por dois fones de ouvido que me distraem. Sim, apenas me distraem, me entretém, enquanto a vida passa sem que eu me dê conta. No labirinto obstaculático do ônibus, arranjo uma forma de seguir em frente, sempre em frente, para um lugar qualquer, para lugar algum.

E, de repente, em um momento de breve devaneio, olho pela janela do quarto de meus pais, do alto do 11º andar e vejo dois pontos no estacionamento. Dois idosos sentados a conversar. E penso. Meu Deus! O tempo passou... E neste momento pensei, como era costume meu avô fazer, a respeito de mim mesmo. De onde vim e para onde vou. Pensei em minha trajetória no tempo estrutural. E as coisas que achei nesta escavação sorumbática e macambúzia me fizeram acordar de todas estas lamentações anacrônicas e melancólicas. Diante do horror de me ver nu ao espelho da consciência, corri apressado, apanhei o mp4 e escutei meu barulho essencial. A busca da trajetória marca o fim mesmo da trajetória deste Homem letárgico e em torpor do presente perpétuo.

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

uhu

life just good motherfucker

7:20 PM  
Blogger Fernanda Furtado said...

é por isso que não me animo de escrever.... assim não dá, rs. vc está muito além de mim, ou, eu estou muito aquém de você (GONÇALVES, 2006).

7:38 AM  
Blogger Rafael Arantes said...

Brilhante o texto. Realmente incrível... Tenho, entretanto, uma série de dúvidas sobre o fato de o homem pós-moderno ser, de fato, um ser caquético... Pergunto-me, apenas, será???? Ou será que olhamos para o passado com olhares românticos e acreditamos que nunca mais seremos como éramos antigamente... tenho receio de interpretações tão pessimistas...

3:58 PM  
Anonymous Anônimo said...

Aí retomamos o debate. Óbvio que qualquer época e qualquer sociedade têm seus parâmetros de sociabilidade. As redes e os laços sociais morais de interação persistem. Mesmo em situação de guerra há moral e regras de conduta na coletividade. Não é disto que se trata. Mas da crítica radical à sub-valorização de áreas centrais da vida social na contemporaneidade: o político e o social em benefício do Mercado Espetacular. E se é verdade que a política não deixa de existir, mas apenas muda de forma e conteúdo, também é verdade que precisamos discutir essas formas e conteúdos. O novo espaço-tempo do instante não nos permite, contudo, uma reflexão profunda. Quando pensamos em discutir o instante já passou e são outras as pautas a serem discutidas. Estamos sempre por discutir e acabamos não discutindo nada. O formato da política e da crítica é o jornalístico: apresentação de instantes acontecidos. Portanto, minha crítica não tem o intuito de vangloriar melancolicamente tempos idos. Mas apenas de denunciar a falta de espaço para a crítica racional e dialógica, o que havia caracterizado toda a modernidade. Como estamos na pós-modernidade, pode bem ser que não haja volta possível e que seja impossível reconstruir canais de crítica. Isso não me fará, contudo, ficar por aí dizendo que há socialidade táctil na contemporaneidade, pois isso é o óbvio. O papel crítico agora é o de desconstrução de mitos discursivos. Nem volta para uma modernidade fracassada nem loas à uma pós-modernidade carcomida em sua putrefação hiper-real.

8:57 AM  
Anonymous Anônimo said...

Toca Rauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuulllll!!!!

"...Dois problemas se misturam
A verdade do Universo
A prestação que vai vencer..."

8:41 AM  

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