domingo, dezembro 10, 2006

Análise das categorias nativas “amor” e “paixão” a partir do arcabouço conceitual criado por Zezé Di Camargo e Luciano.

Este é um post coletivo, criado por mim e Fernanda. Divirtam-se.


Cada volta é um recomeço
Zezé Di Camargo e Luciano

MAIS UMA VEZ
O CORAÇÃO ESQUECE TUDO
QUE VOCÊ ME FEZ
EU VOLTO PRA ESSE AMOR INSANO
SEM PENSAR EM MIM
PRA RECOMEÇAR, JÁ SABENDO O FIM

MAS É PAIXÃO
E ESSAS COISAS DE PAIXÃO
NÃO TÊM EXPLICAÇÃO
É SIMPLESMENTE SE ENTREGAR
DEIXAR ACONTECER
EU SEMPRE ACABO ME ENVOLVENDO
COM VOCÊ

REFRÃO:
NESSES DESENCONTROS EU INSISTO EM TE ENCONTRAR
COMO SE EU PARTISSE JÁ PENSANDO EM VOLTAR
COMO SE NO FUNDO EU NÃO PUDESSE EXISTIR
SEM TER VOCÊ

TODA VEZ QUE EU VOLTO
EU TE VEJO SEMPRE IGUAL
COMO SE A SAUDADE FOSSE A COISA
MAIS BANAL
E EU CHEGANDO SEMPRE
COMO UM LOUCO PRA DIZER
QUE AMO VOCÊ

QUE ME LEVE PELA VIDA AO CORAÇÃO
COMO VERSOS PRA CANÇÃO
VOLTO PRA VOCÊ, VOLTO PELO AMOR
NÃO IMPORTA SE É UM SONHO PELO AVESSO
CADA VOLTA É UM RECOMEÇO

MAS É PAIXÃO...

Ao analisarmos as categorias nativas “amor”, como amor romântico, e “paixão” utilizadas cotidianamente para apreender as experiências dos sujeitos em nossa sociedade, podemos perceber que elas mantêm uma relação fluida de diferenciação, se aproximando ou se distanciando de acordo com as situações em que são empregadas e com os sujeitos envolvidos nas mesmas. Essas duas categorias que replicam emoções aparecem muitas vezes fundidas e são entendidas como componentes de uma mesma relação. De fato, diversas vezes, as categorias amor e paixão são utilizadas como parte de um mesmo processo e, às vezes, como um mesmo sentimento ou emoção. Todavia, podemos notar também que há um processo de significação que aponta no sentido de diferenciar as duas categorias. É neste sentido que entendemos que “amor” e “paixão”, na sua comparação, são compreendidos de maneira fluida, pois embora possam se mesclar, mantêm algumas diferenças fundamentais. Tentaremos, portanto, expor a forma como essas categorias são utilizadas em diferentes situações, desde as suas similitudes às suas diferenças.

Amor e paixão geralmente definem sentimentos e emoções experenciados em relações que envolvem no mínimo duas pessoas, não necessariamente do mesmo sexo, e em que existe a possibilidade do intercurso sexual. Essas duas categorias se aproximam na medida em que definem situações que envolvem o “desejo carnal”. Nota-se, entretanto, que estamos nos referindo a um amor contemporâneo em que o desejo e a sexualidade são condições sine qua non da relação, em detrimento daquela visão passada de amor puro e inocente. Claro está, porém, que isso é uma escolha metodológica e que a categoria “amor puro” ainda existe na realidade das relações, ainda que acreditemos que ela tende a se dissipar frente às mudanças da contemporaneidade.

Também é importante lembrar que o desejo não necessariamente é recíproco e que nem sempre chega ao conhecimento de todos os envolvidos na situação, constituindo o famoso “amor platônico” ou a “paixão não-correspondida”. Outro exemplo de aproximação das categorias está no caso da “paixão à primeira vista”. Os nativos, quando interpelados sobre o que seria a paixão, evocam adjetivos como “súbito”, por exemplo. No entanto, esse adjetivo também é utilizado para entender o “amor à primeira vista”. Essas últimas categorias estão muito próximas, a ponto de sua diferenciação constituir um empreendimento metodológico de difícil apreciação, ainda mais quando não conseguimos manter um estranhamento suficiente das mesmas. Soma-se a isso a dificuldade em separar as categorias que os nativos em geral utilizam para apreender e compreender o mundo das nossas próprias versões dessas categorias, filtradas pela nossa experiência pessoal.

No entanto, embora existam aproximações entre “amor” e “paixão”, existem também diferenças. A paixão é sempre definida como algo delirante, incontrolável e, muitas vezes, passageiro. Os apaixonados são acusados de irresponsáveis por não serem capazes de controlar suas emoções e seus atos. São acusados de agir sem pensar, se expõem ao ridículo frente aos outros. O sujeito torna-se objeto da paixão, um simples joguete nas mãos do destino, como disse Shakespeare em Romeu e Julieta. Mas Romeu e Julieta não teriam vivido o maior amor de todo os tempos? Em que medida esse amor está imerso na paixão e vice-versa?

O amor, além da idéia de destino, envolve também a idéia de algo mais permanente, estável, sereno e definitivo, eterno. O amor remete principalmente a segurança. O amor é um processo, uma construção cotidiana que envolve companheirismo, confiança e cumplicidade. Dentro da visão de amor, o sujeito é capaz de abdicar do objeto de seu desejo em nome do bem-estar desse objeto, enquanto que na paixão a posse do objeto constitui a principal motivação do ser apaixonado. A paixão dá idéia de algo avassalador, que possui o amante como um demônio. O amante passa a não ter controle do próprio desejo, se entrega a ele. Mas se nem sempre os próprios apaixonados ou os que amam conseguem definir se o que sentem é amor ou paixão, existe de fato alguma diferença entre esses dois sentimentos?

Muitas vezes o que define a situação é a acusação do outro, como quando uma situação é definida como “simples paixão”, no sentido de que é algo passageiro e com o qual os envolvidos não deveriam desperdiçar seu tempo ou energia. No entanto, embora a “simples paixão” possa ser mal vista, a paixão que acompanha o amor certamente não o é. Mas seria todo amor acompanhado de paixão? Seria a paixão uma possível porta para amor?

Na música de Zezé Di Camargo e Luciano, essas duas categorias são utilizadas no que podemos definir como amor insano, que configuraria um processo de sentimento permanente, como no caso do amor romântico, e ao mesmo tempo dominaria o sujeito a ponto de ele tornar-se o objeto desse amor insano, com a idéia de descontrole das próprias ações que envolve a paixão. A falta de explicações para os sentimentos do eu lírico da música remetem à idéia de destino. O amor insano não constitui uma categoria amplamente difundida, mas é um bom exemplo de como as categorias amor e paixão se fundem no processo de experenciar o mundo em que vivemos.

Para dificultar ainda mais o processo de definir relações, sentimentos e emoções a partir das categorias “amor” e “paixão”, nosso mundo assiste hoje ao surgimento de diversos novos tipos de relação que envolvem diferentes gradações de tempo e comprometimento que muitas vezes não se adequam perfeitamente às categorias existentes. No entanto, por falta de outras categorias ou devido ao processo muito recente de construção dessas outras, “amor” e “paixão” ainda são tomados mesmo que como referenciais negativos.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

...de uma cara de pau difícil de encontrar. = ]

12:24 PM  
Anonymous Anônimo said...

E não é que eu nem conhecia esse blog?

Só ouvia a galera falando e nada...

"Mas se nem sempre os próprios apaixonados ou os que amam conseguem definir se o que sentem é amor ou paixão, existe de fato alguma diferença entre esses dois sentimentos?"

Eu, na minha estupidez, achei que era o único que tinha esta dificuldade tremenda de diferenciar os dois sentimentos.

Não existem, de fato, inquietações originais...

8:24 AM  

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