sábado, dezembro 16, 2006

Das contradições...

Por que tenho que construir minha personalidade pautada na homogeneidade e no princípio de que a construção de minhas diversas faces tem que ser regida pelo princípio da não-contradição?
Por que tenho que ter explicações para todos os meus atos e tenho que guiá-los pela idéia de que eles devem ter certos fins e que eu deveria ser capaz de saber quais serão esses fins?
Ademais, por que tenho que saber onde meus atos desembocarão se não consigo nem saber quem eu sou hoje, se não sei quem fui ontem e muito menos quem serei amanhã? Aliás, amanhã eu serei alguém ou esse alguém será por mim?
Por que devo me responsabilizar pelas vidas dos outros se não consigo me responsabilizar pela minha própria vivência? Seria uma fuga o fato de que tento diariamente me fazer acreditar que
minha existência deve ser pautada no postulado de que é cotidianamente que se experencia o mundo?
Se é verdade o que uma grande amiga que faz papel de um xamã para mim disse e eu vim ao mundo para me satisfazer, enquanto que os outros têm que satisfazer a si próprios, por que sou cotidianamente construído a pensar e a sentir o mundo todo em minhas costas?
Por que quero me expressar e não saem mais palavras de minha mente, de minha boca, de meu corpo, apenas gestos que nunca verás, contorções, gritos internos, fluxos e refluxos de sentimentos, emoções, contradições, arrependimentos, dissociações?
Por que sou obrigado a aceitar o racionalismo se todas as minhas experiências me ensinam a rechaçá-lo com todas as forças de um coração partido, sangrando ou ainda vibrando por sangrar ou sangrando por fazer outros sangrar???? Por que alguns corações sangram por outros corações?
Por que??? Por que??? Por que??? Por que??? Por que??? Por que??? Por que??? Por que???
Repressões morais a parte, por que não conseguimos deixar de tê-las e sentí-las como uma dor lancinante que torna-se mediação simbólica de todas as experiências que temos, enquanto não conseguimos construir novas categorias que organizem nossas experiências em nossas mentes e corpos? É possível construir essas novas categorias?
Por que considero esse post tão ridículo e, ainda assim, teimo em publicá-lo???

8 Comments:

Blogger Rafael Arantes said...

Por que insisto em perguntar "por que" se sei que não terei respostas??? Por que insisto em querer que o absoluto me responda se eu mesmo não acredito no abooluto e na homogeneidade de respostas, visto que "toda a unanimidade é burra" e toda a homogeneidade é patológica???
A única afirmação que sei fazer é que ainda não sei nada e se soubesse estaria errado...

12:44 AM  
Blogger Fernanda Furtado said...

Adorei, amei! São as mesmas dúvidas que me assombram eventualmente. Às vezes até penso: "mas por que foi que me meti nessa história? É óbvio que não tenho nenhuma justificativa moral pra isso". Mas então penso que, ainda que tudo terminasse em catástrofe, eu faria tudo de novo pela simples oportunidade de sentir que estou viva, que meu coração pulsa, que meu corpo reage a alguma coisa. E nada mais divertido para uma sócio-antropóloga do que encontrar novas categorias para viver por completo em em todos os sentidos essas experiências.

De fato, não sabemos nada e se soubessemos estaríamos errados, porque a vivência é um processo sem fim, e só acaba para nós quando estamos mortos. Mas a minha resposta, por enquanto, é aquela que me exime mesmo: só você pode se responsabilizar pelo seu eu. Se por algum acaso você resolver cruzar meu caminho, azar (ou sorte) sua.

Mil beijos.

8:44 AM  
Anonymous Anônimo said...

Belíssimo post e genial idéia de escrever um texto afirmativo através de perguntas, recuperando o melhor da tradição socrática.

A não-contradição é contraditória: ser algo é sempre não ser todas as outras possibilidades e isso angustia. É a velha e recorrente questão sartreana.

Existir para satisfazer-se é discurso. E mesmo quando posto em prática experiencial não elimina a condição social: a responsabilidade. Ser é sempre responder pelos atos. Se possível fosse satisfazer-se sozinho não haveria o peso moral da responsabilidade. Mas satisfazer-se pressupõe o Outro, ou seja, uma interação com algo que responde, recrimina, age, sente, questiona, pensa e suspira.

Até o Zaratustra nietzscheano desceu da montanha em busca daqueles a quem iluminar. E ao ser negado pela multidão sentiu-se só. E na solidão foi obrigado a encontrar prazer. E reconstrui toda a ordem cognitiva através de uma reconfiguração discursiva (retórica?): "seres superiores vivem só". Não seria talvez um precursor do discurso hedonista pós-moderno: "viver é satisfazer-se"?

Viver bem pode ser não-satisfazer-se (Schopenhauer se alegraria me ouvindo dizer isso). Ou quem sabe satisfazer-se quando assim for possível. E talvez mais provável seja que "viver é ir vivendo". Com momentos de todos os tipos sem qualquer ordem lógica. No discurso apaziguamos a nós mesmos.

Super-homem? rá! É apenas aquele que carrega o peso do mundo nas costas e ele não pesa mais do que a mão de uma criança, como diz o Drummond.

8:49 AM  
Anonymous Anônimo said...

"De fato, não sabemos nada e se soubessemos estaríamos errados, porque a vivência é um processo sem fim, e só acaba para nós quando estamos mortos" (FURTADO, 2006, p. 1895)

O mais engraçado nisso é o extremo a que podemos chegar: a vivência não acabando nem com a própria morte (e isso sem misticismos). Daí a questão moral do suicida - a preocupação com o efeito de seu ato.

"Se por algum acaso você resolver cruzar meu caminho, azar (ou sorte) sua" (FURTADO, 2006, p. 1896).

Genial.

8:57 AM  
Blogger Antonio Rimaci said...

É estranho quando escrevem o que eu queria (e deveria) escrever. Ja te disse q esse post é meu também. Compartilho as dúvidas, mas tenho que admitir, desgraçadamente, que não obtive metade das certezas de vcs. Tenho dificuldade em questionar a homogeneidade, e isso é coisa de seres limitados. Felippe diz que encarar a vida como sucessivas oportunidades de satisfazer a sí proprio é mero discurso. Discurso, sim, mas sem o "mero", talvez. O ordenamento simbólico promovido, por qualquer q seja o xamã ( pastor, padre, psicólogo..) será sempre, de uma forma ou de outra, falacioso, mas nunca dispensável. O pressuposto que define a vida como a simples realização pessoal não necessariamente implica numa transgressão, ou seja, na ignorância da responsabilidade. Arrumar isso simbolicamente, e de maneira socialmente aceitável, é o grande desafio, penso eu...

Será que, então, o debate entitulado de "mas que porra viemos fazer aqui?" sempre será uma simples discussão sobre qual é a melhor mentira? Eu sei que já sobram perguntas mas,por favor, me ajudem a superar mais esse pequeno detalhe.

abraços!

10:10 AM  
Anonymous Anônimo said...

"Será que, então, o debate entitulado de "mas que porra viemos fazer aqui?" sempre será uma simples discussão sobre qual é a melhor mentira?" (RIMACI, 2006, p. 43746)

Por que seriam mentiras? E por que não seriam verdades? Afinal, não existem fatos, mas apenas interpretações (NIETZSCHE, 2001).

10:39 AM  
Blogger Rafael Arantes said...

O grande problema é que não existem fatos, mas apenas interpretações. Como, portanto, ordenar simbolicamente as relações humanas se não temos o mínimo consenso dos paradigmas que devem ou deveriam nortear essas relações?

"O pressuposto que define a vida como a simples realização pessoal não necessariamente implica numa transgressão, ou seja, na ignorância da responsabilidade. Arrumar isso simbolicamente, e de maneira socialmente aceitável, é o grande desafio, penso eu..." (RIMACI, 2006, p. 43746)

Concordo plena e veemente com isso. Só tem um problema gravíssimo sobre esse ponto, morreremos e não conseguiremos ordenar o mundo de contradições, dúvidas e incertezas. E isso tudo é porque ousamos pensar um pouco (que isto fique bem claro também. Não somos vanguarda de nada. Apenas tentamos ser exagerados) mais sobre a vida e as verdades universais, ao invés de aceitarmos catatonicamente as verdades que não são oferecidas de bandeja. Pois pensar enlouquece. Pensem nisso com certa urgência. Urgência de não pensar ou de enlouquecer logo de uma vez?

"Bondade sua me explicar com tanta determinação
Exatamente o que eu sinto, como penso e como sou
Eu realmente não sabia que eu pensava assim[...]" (Mais do Mesmo, Legião Urbana)

11:43 AM  
Anonymous Anônimo said...

Como diria o outro...

"Sou um neomoralista, desvirtuado aqui da idéia que se tem sobre os “moralistas”, sempre entendidos, inclusive por mim, como os seres mais insuportáveis do mundo. Sou neomoralista pois tento viver dentro de uma moral que seja ao mesmo tempo universal e particular, uma moral da vivencia entre outras morais. Uma superação do imperativo categórico kantiano. (?) Talvez."

8:59 AM  

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