quarta-feira, setembro 20, 2006

A inexistência da "Universidade"....

Caros amigos, os dias têm voado. Durmo no domingo e acordo no sábado. Tenho a impressão ( não tão ligeira) de que o tempo tem passado mais depressa ultimamente... Enfim, essa lamentação toda nada mais é que uma explicação deveras pueril para o atraso desse post. Relaterei aos senhores uma situação que me ocorreu na última quinta-feira. Lá se foi uma semana inteira...
Também devo alertar que a profundidade e a polêmica que esse post pretende gerar não mantém o ritmo dos ótimos posts anteriores. Mas nem por isso me incomoda menos.

Ao fato. Vinha eu da uma excelente aula sobre Psicologia da Educação ( aqui cabe um parêntese. Apenas para assinalar que, desta vez, o "excelente" NÂO é ironia. A aula tinha sido realmente boa, porque a discussão fora relativamente profunda, envolvendo Piaget e Gestalt...). Vinha eu sem grandes pretensões de ver coisas boas naquele restaurante de ADM. Grande foi a surpresa ao notar que ali, naquele ambiente que me parecia dolorosamente familiar, algo novo surgiu: um violão, um cavaquinho, um pandeiro e uma flauta, junto com seus competentes "operadores". Um respeitável grupo de chorinho, ali, na pátio de ADM! Sim, também me pareceu surreal.. Mas era verdade.

É interessante como a música ( essencialmente a música instrumental, no meu caso) tem o poder de nos fazer viajar. Aquela quinta-feira era mais um dos meus dias reduzidos, estranhamente reduzidos, de forma que eu tinha mais tarefas que horas disponíveis. Mas dali, não consegui sair. O chorinho é um dos meus estilos preferidos, e por isso ali fiquei a pensar nas coisas belas da vida,naquele verde que as plantas exibiam ao serem atingidas pela intensa luz solar, que pintava o dia como um belo quadro de uma tarde de fevereiro, numa casa à beira-mar... Durante alguns minuto-reduzidos( não achei expressão melhor para essa nova unidade de tempo), não movi um só músculo. Esse tempo em contato com a arte me trouxe um ânimo extra, de forma que me senti revigorado para encarar mais quatro horas de aula de didática...

Pronto. Aqui acaba a parte bonitinha da história. Caminhei para a sala sentindo algum incômodo, mas não consegui identificá-lo. Suportei quase duas horas de aula, ainda sem entender o que me incomodava de fato. Apenas quando um colega exclamou sua insatisfação com o comportamento dos alunos da UFBA frente à mais evidente exibição artística (isso, aliás, foi a melhor coisa que ouvi em toda a aula de didática...)pude perceber o quanto era ofensivo o comportamento das pessoas que circulavam pelo pátio, durante a exibição do famigerado grupo de chorinho. Eu de fato havia notado, também, esse comportamento esdrúxulo. Contudo, tinha eu me voltando tão intensamente para dentro de mim mesmo, que não me atentei ao meu redor. Muitas vezes faço isso, o que me faz pensar que de vez em quando eu consigo pular aquele muro.Mas isso é uma outra história...
É deprimente que alunos universitários, reajam assim à arte. refletindo sobre o acontecido, cheguei à pergunta-chave: A culpa é de quem? A explicação de que aquela é a resposta típica do estudante de ADM, me parece rasteira. Afinal, nesse nosso modelo de "universidade", para quê estamos sendo preparados? No momento em que pensamos na mercatilização do diploma, com a explosão de faculdades pagas, gritando para o mundo que universidade não é apenas produção de diplomados, o que estamos fazendo para que a nossa universidade não se torne exatamente o que tanto criticamos? Ou melhor, será que nossa universidade já não é, de fato, muito mais parecida do que diferente desse modelo tão desprezível? Minhas conclusões não acabam aqui, mas como o post já ultrapassa os limites do bom senso em relação ao tamanho, sugiro que o debate corra para a sessão dos comentários... e vocês, o que acham??

4 Comments:

Blogger Rafael Arantes said...

Se bem compreendi o modelo de Habbermas sobre a instrumentalização do mundo da vida, ele seria fundamental para o equacionamento dessas dúvidas quase existenciais. Não considero o modelo apenas pertinente para o que está acontecendo com a nossa "Universidade", mas como também com a nossa sociedade. Segundo Habbermas, a lógica instrumental - ou seja, uma ação racional com relação a fins que é impingida para todas as relações e que é típica das relações econômicas - está tomando conta do campo da sociabilidade humana, o mundo da vida. Entretanto, o mundo da vida tem suas regras próprias, baseadas nas ações simbolicamente mediadas. No mundo da vida, as relações entre as pessoas e as instituições, como famílias etc., são pautadas por elementos simbólicos que são consensualmente, embora possam advir de um conflito, estabelecidos no seio da sociabilidade humana por excelência, aquela sociabilidade do ombro-a-ombro e do querer estar junto sem um motivo racional explícito. Entretanto, o desenvolvimento do capitalismo tende a aumentar a esfera de poder das relações que o engendraram, ou seja, a ação instrumental. Hoje, a lógica instrumental toma conta de todos os âmbitos da vida social. Até instituições que antes pareciam manter o "encantamento do mundo" se mostram, hoje, influenciadas, para não dizer guiadas - vide a família -, por essa esfera instrumental, materialista e racional, típica do mundo econômico, mas que não "deveria" ser típica do mundo da vida. Eis, para mim, o que acontece com nossa universidade. Ela faz parte de um processo aguçado de desencantamento do mundo. O universidade serve, hoje, apenas para preparar as pessoas para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e, no máximo, para produzir acadêmicos que no futuro competirão pelos recursos do Cnpq e Capes. As outras instâncias de uma Universidade, com U maiúsculo, se perderam. As esferas de sociabilidade "espontânea", as atividade lúdico-culturais, entre outras, se perderam frente a esse modelo de instrumentalização da vida cotidiana. Que tal iniciarmos um processo de reencantamento do mundo? Não é isso que tentamos fazer aos sábados? Viva ao homem do subterrâneo! Querendo ou não, ele é um homem mais sociável do que nossa sociedade consegue produzir hoje, porque a sociabilidade da "manada" reproduz uma lógica instrumental! Compreendam como um tipo ideal! E bem como falou Tromboni hoje, o amor, o sentimentalismo, o existencialismo e a profundidade psicológica ainda são os elementos mais "encantados" da nossa esfera cotidiana! Viva ao amor! E não me chamem de piegas, porque hoje preciso desabafar!

9:03 PM  
Anonymous Anônimo said...

Nossa. Tinha pensado em uma resposta. Mas se tornou completamente dispensável devido à explicação de Rafael. Parabéns, meu velho.

11:02 PM  
Blogger Antonio Rimaci said...

todos os comentários se tornaram dispensáveis, inclusive esse que estou a escrever. Parabéns, mesmo!

11:20 PM  
Blogger Fernanda Furtado said...

digo o mesmo.

10:42 AM  

Postar um comentário

<< Home