domingo, setembro 03, 2006

Dos cotidianos distintos

É interessante perceber como as pessoas vivem no cotidiano. Sim, porque eu não vivo como elas vivem, então acabo aprendendo bastante através da observação não-participante. Hoje, por exemplo, é domingo (16:15h). É possível escutar alguns sons característicos deste dia: garotos jogando bola na quadra do condomínio e gritando os típicos palavrões de um baba; um som mais ou menos distante de músicas populares (forró, axé, funk etc) a sair das caixas de som de um carro estacionado em frente a um bar; fogos de artifício bem longe (talvez um jogo do Bahia ou do Vitória); passarinhos cantando; conversas aqui e acolá soando como barulhos sem sentido; buzinas de carro na volta da praia etc. Durante os dias úteis, sentado em frente ao pc como agora estou, os sons são outros, com exceção dos pássaros a cantar: um ribombar estridente do bate-estaca de uma construção aqui perto; o barulho do cortador de grama no jardim; muitos carros; o som da ausência de crianças na quadra e no parque; o tremendo soar da tristeza etc. Sim, pois os dias úteis são os dias mais inúteis para a vida humana. São os dias-máquina (ver aqui), onde nossas ações são programadas segundo vontades alheias. Na terça-feira já estão todos a pensar que a sexta-feira está chegando e assim se reconfortam. O interessante é que com a reestruturação produtiva do toyotismo e a flexibilização e precarização do trabalho, bem como a diminuição de sua oferta em seu respectivo mercado, o grande sonho das pessoas é, hoje, manter-se neste mundo dos dias-máquina. A ausência do trabalho já não significa a realização do Ser, mas, pelo contrário, a condição do não-Ser. E alheios a tudo isso, os garotos continuam a jogar bola e eu aqui, tentando mudar o mundo na frente do computador.

1 Comments:

Blogger Victor Scarlato said...

Felippe,

Bem, o meu comentário se dirige para o post no seu outro blog, uma vez que não posso comentar diretamente lá.
Como disse Arantes, o seu texto nos dá pouco espaço para acréscimos; belíssimo texto. No entanto, ao pensarmos nesta doce sensação de liberdade, podemos nos remeter, na verdade, a uma esfera fugaz. O que existe é uma ilusão, por mais que você não goste delas, de fugacidade (liberdade) do mundo; ou como Baudrillard diria, um simulacro de liberdade.
No entanto, nossa liberdade sempre foi cerceada, seja pelo espírito do capitalismo, seja pelo espírito ascético de nossas vidas, em especial nos tempos passados. Para que esta homogeneidade fique ainda mais aterrorizante, uma das formas de diferenciação de seres de diferentes tribos nada mais é do que a vestimenta, ou consumo diferenciado através da roupa, marca indistinta de todo grupo no mundo social de hoje.
Mais uma vez, parabéns pelos dois belos textos.

6:58 PM  

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