domingo, setembro 17, 2006

Considerações de um ser desvairado a respeito do amor

A cada dia convenço-me de que somos aquilo que não somos. Convenço-me de que aquilo que não fazemos conta muito mais do que aquilo que fazemos. De fato, não fazemos muito mais do que fazemos. Nossos sonhos e desejos-pulsão transbordam por sobre a vida opaca. E apesar da miséria da minha existência objetiva, se vissem os meus sonhos e desejos como vêem a materialidade das minhas carnes diriam suspirando: eis um grande homem.

Talvez vossas senhorias encarem esta argumentação como uma fuga, uma auto-justificativa ou mesmo um “muro” artificialmente criado para que eu possa me orgulhar: se não fosse o muro... Na verdade eu concordo com vocês quando pensam assim. Mas o fato não invalida o argumento e, dentre os dois, eu fico com o segundo.

Eu fico pensando o quanto de felicidade eu já desperdicei devido àquilo que eu não fiz. E o outro tanto de felicidade que eu deixei escapar das mãos pensas por não acreditar que a felicidade existisse. Ah, senhores e senhoras, no entanto, tudo o que eu não fiz eu fiz em pensamento. E como é tudo tão belo e ordenado lá. A garota que amo e que, contudo, nunca soube desta minha infelicidade, pois nunca sequer demonstrei um mínimo de afeto e chego propositadamente a demonstrar o contrário, em meus pensamentos, em contraposição, vivemos um amor recíproco, profundo e ardente. Quantos belos discursos apaixonados eu dirijo a ela em meu mundo imaginário... E como ela se deleita com minhas doces palavras... Temos vivido dias perfeitos e o peso do mundo me é leve. No entanto, basta ela se aproximar em carne para eu me sentir mal e pesado como se uma bigorna me estivesse dependurada no pescoço.

Pois é, senhores e senhoras. Esse post é, no final das contas, sobre o amor. E comecei tecendo comentários acerca da existência não-existente por considerar este ser o verdadeiro terreno do amor. Não que ele não tenha a sua existência material, física e tangível. O contato é condição fundamental do amor e o gozo é seu ápice. Mas é no terreno da imaginação mútua que o amor encontra sua possibilidade de empatia. E no terreno da imaginação unilateral do amante solitário que o amor encontra sua expiação.

Oh, como me sinto culpado por amar demais. Queria eu odiar!, mas não me é permitido escolher meus sentimentos. Ah, se ela soubesse que a amo, que faria? Cuspiria em minha cara ou entrelaçaria seus braços aos meus em um gesto sublime de fusão mítica? Não, senhores e senhoras. É-me doloroso demais pensar que a primeira hipótese é a mais factível. Diante da visão do sofrimento mais absoluto me acometendo, recuo e nada faço. No entanto, a segunda hipótese se realiza sublime em meus pensamentos correntes sobre ela. Recuo perante a realidade. A felicidade me acaricia em sonho. E diante da não-ação a felicidade mais uma vez me escapa, enquanto continuo a não acreditar em sua existência.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Caro Felippe, acho sempre importanta falar do amor. Ele é a grande referência das nossas relações, seja essa referência positiva, no sentido de perseguir o amor, ou negativa, no sentido de negar o amor. Em última instância, sempre retornamos para o amor, como uma estratégia de reprodução social, embora mental...

2:25 PM  
Blogger Victor Scarlato said...

Caro Felippe,

Percebo que todos nós fomos atacados com o texto de Dostóievski. A impotência não é só sua, é da grande maioria daqueles que ainda são tomados pelo amor platônico, tão vigorosamente letal e agonizante.
Não falo aqui com o tom de Arantes, algo mais objetivo. Permito-me também transcender a esta esfera tão cartesiana. Mas, ainda assim, quando você diz sentir ódio, percebo que isso é uma das formas mais belas de amar. O que realmente nos desloca do amor é a indiferença. Amor e ódio são paixões que permeiam os enamorados.

Forte abraço

5:55 PM  
Blogger Fernanda Furtado said...

Felippe,

Lindo post. Continuamos subterrâneos, mas acho que não tem jeito...

Fernanda.

7:35 PM  
Anonymous Anônimo said...

Nanda,

Obrigado pelo elogio. E a partir de sua frase "Continuamos subterrâneos, mas acho que não tem jeito..." eu completo com o poema do Drummond que eu te mandei o link (A máquina do mundo): pode até haver jeito, mas a questão é se nós queremos dar um jeito. Diante da máquina do mundo aberta ao conhecimento de todos os seus mistérios, talvez o mais sábio seja mesmo recuar...

11:36 PM  

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