domingo, agosto 27, 2006

Boas surpresas que os encontros nos proporcionam!

Quero começar com uma agradável surpresa que tive na sexta passada e que me motivou a fazer esse blog. Digo agradável no sentido moral e político do termo. Digo político no sentido moral e essencialmente relativo a valores, embora a ação instrumental já tenha tomado quase todo o terreno da ação comunicativa e simbolicamente mediada, fazendo com que a política hoje seja mais gerida em termos de uma ação racional com relação a fins do que com relação a valores. A política passa, cada vez mais, a ser guiada pelo sujeito auto-interessado, se é que sempre não foi guiada por ele. Mas, ideologias ou idealizações, não é esse o tema a que me dedico nesse momento. Quero compartilhar com vocês a agradável surpresa que tive neste dia. Estava fazendo algumas entrevistas em um bairro popular de Salvador para a minha monografia de fim de curso. Pois bem, comecei a entrevistar uma senhora dentro de sua casa e a sua filha, algumas vezes, dava suas opiniões a resposta. Em termos de estrutura urbana, a casa não era deficiente. Apesar de auto-construída, a casa era verticalizada e parecia ser de boa qualidade. Entretanto, o conteúdo social da casa, era sim, relativamente precário. A família, ou grupo doméstico, para os que preferem, é composta por 11 pessoas. O responsável pela família é o marido da senhora descrita. Ele só concluiu o primário e é pedreiro, tendo, entretanto, carteira assinada e ganhando um salário mínimo por mês. A senhora estudou até a 8º série e realiza os afazeres domésticos. Essa filha que estava em casa tem 18 anos, é casada, tem dois filhos, estudou só até a 8º série e está desempregada, tendo sofrido críticas da mãe quando respondeu que estava procurando emprego. O comentário da sua mãe foi instantâneo: "Como procura emprego se acorda e fica aí na frente da televisão?". Mas, essa descrição ainda não é o objetivo desse post. Apenas a realizei para mostrar o conteúdo social dessa família e a média, por assim dizer, do capital cultural e educacional da mesma. O que me chamou mais atenção foi quando perguntei a essa senhora se achava o bairro dela violento. Ela pensou um pouco e disse que não. Todavia, sua filha falou imediatamente: "É claro que é violento, mainha é "loura"." No popular, a filha acabara se chamar sua mãe de burra. Educadamente, a senhora terminou de responder a pergunta, concordando com a filha, ainda meio duvidosa. Depois de ter respondido, se voltou para a filha e disse: "Olhe, nunca mais diga isso! Eu posso ser burra, mas sou negra!".
Essa reposta tão rápida e espontânea me impressionou, pois mostrou que essa senhora tem tanto orgulho da sua raça (ou etnia?) que quis marcar ali mesmo para a filha e para nós. Por acaso, será coincidência que, ali perto, exista um terreiro de candomblé do qual essa senhora faz parte? Digo, esse terreiro, além de reafirmar os valores da matriz africana da cultura brasileira, realiza trabalhos sociais e distribui alimentos no bairro, sendo vinculado a uma ONG que faz parte do Conselho de Segurança Alimentar, vinculado ao Fome Zero. Mesmo não sendo nem um pouco integrado as linhas de estudos raciais e obtendo meu conhecimento com terreiros apenas dessa experiência cotidiana, percebo que esse terreiro representa um verdadeiro capital social para essa comunidade popular, periférica e sub(urbana) no sentido literal da palavra. Esse capital social, fruto da articulação em uma rede social de solidariedade e confiança, conseguiu suprir o diminuito capital cultural familiar, pelo menos nessa questão de identidade racial. Digo suprir, pois era de se esperar que uma identidade racial tão forte surgisse de uma família ou de uma pessoa com um capital cultural maior, por assim dizer. Ou será que estou sendo preconceituoso e etnocêntrico? (Espero críticas)
Raciociando a posteriori, e após ter escrito esse post, vi que a minha surpresa foi a mesma que tive quando percebi que os bairros populares não eram favelas desorganizadas e miseráveis, tal qual estava esperando quando lá entrei pela primeira vez para realizar os trabalhos de campo.
Cenas dos próximos capítulos: Etnocentrismo da classe média urbana e o tabaréu urbano!

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Arantes,
Muito legal o seu post. Bem escrito, irônico, engraçado. Seu companheiro (será que esse termo é depreciativo e entrou em decadência depois da Era Lula?)também segue seu mesmo caminho. Parabéns pela iniciativa.

Aquele Abraço

Felipe Pinchemel

2:44 PM  

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