terça-feira, outubro 03, 2006

“Uma nuvem se dissipou na Bahia”: sobre um turbilhão.

No domingo, 01/10/2006, os brasileiros voltamos às urnas para escolher novos calhordas e projeto de políticos para as instâncias representativas de nosso país. Com um clima diferenciado do último pleito para presidente fomos às urnas sem o espírito do “estamos votando no salvador da pátria”. Desta vez fomos às urnas para votar num modelo de política que era menos pior (desculpem-me o desagradável trocadilho) para o país. Aqui falo por mim e algumas pessoas mais próximas. Votamos e fomos para nossas casas aguardar o processo de apuração de votos por volta das 17h. Iniciada a contabilização dos votos começamos a nos surpreender com o resultado das urnas na Bahia. Já no início da contagem Wagner apareceu com mais de 50%, numero que se manteve até a totalização. Estava numa festa de aniversário e assim que percebemos que não se tratava de contagem das urnas da capital nas parciais começamos a beber mais para “bebemorarmos” – como se precisássemos de mais um motivo para avançar a embriagueis! Esperei a confirmação da eleição, por volta das 23:30, para ir dormir completamente bêbado. Fui para a cama de alma lavada – num sentido figurado-1 e figurado-2 da expressão “alma lavada”. Acordei percebendo algo diferente naquele dia... me sentia redimido. Preparei-me para ir a faculdade, pois, sem dúvidas, lá teriam pessoas falando deste belíssimo processo e ávidas por falar. Ao chegar ao ponto de ônibus percebi que aquele sentimento de leveza era algo que fluía pelas ruas... Aqui começa a jornada de um pretenso Sócio-antropólogo (ou Antropólogo-social) louco – estava louco por escrever isso”.

Cheguei ao ponto de ônibus e logo percebi que o sentimento inaugurado com o resultado do pleito do domingo, em que Wagner ganhou o governo do estado no primeiro turno, na contramão das pesquisas estatísticas/especulativas (eca!!!), perpassava grande parte dos transeuntes. O vendedor da banca conversava com as sentinelas da corregedoria de polícia do estado sobre a “surra que ACM levou”. A senhora ao meu lado sorriu das gritarias do vendedor com o policial e puxou conversa comigo: “Mas foi lindo, num foi meu filho?! Eu votei no PT porque já tava na hora de mudar (...)”. De repente quatro GT´s, grupos de trabalho, formaram-se ali no ponto de ônibus, para se discutir o novo panorama político do estado, aliás, mentira... para se discutir o cacete que os baianos demos no coronecarlismo... Estávamos conversando, pois precisávamos ser parte daquilo que estava no ar... Precisávamos re-viver a noite passada e a conversa, o falar sobre, a gozação com o “bundão” do ACM, era a forma de sermos parte daquele momento histórico de nosso povo.

Achei legal aquela situação e à medida que os ônibus iam chegando os grupos iam sendo re-configurados. Quando meu ônibus chegou me despedi da turma do ponto e entrei nele com um turbilhão no peito. Já sentado percebi que algumas pessoas falavam sobre a mesma coisa. Comecei a prestar atenção nos argumentos e fiquei encantado com aquele sentimento que nos perpassava. Era algo novo, diferente das eleições presidenciais passada, talvez até mais significativo. Foi então que comecei a pensar no que teria contribuído para esse movimento silencioso que levou 54% da população a destituir o carlismo (mais tarde perceberia, nas ruas, que isso era mais dito, que a própria eleição do candidato petista). Estava mais decidido e não via a hora de chegar ao Pátio Raul Seixas, lócus privilegiado para divagações em nossa capital, pois queria continuar falando sobre o tema. No ônibus já tinha decidido observar e não interagir com os observados.

Chegado ao Pátio, não notei outro assunto. Pequenos grupos, a faculdade estava vazia, conversavam sobre o tema. Tratei de encontrar um, o que não foi difícil. Sentei numa mesa onde os militantes do DA de História deixaram cartazes que estavam sendo fixados na parede. Imediatamente avistei um colega de curso e começamos a conversar sobre a questão. Começamos esta conversa por volta das 09:30, e, entre o entra e sai de pessoas desta mesa, terminamos por volta das 13:30. Inúmeras pessoas passaram por nosso GT no pátio e sempre demonstravam uma euforia com a destituição do carlismo. Um momento auge foi o clima de gozação que se instalou quando um pobre espírito do PSTU resolveu participar do papo. “Se você quiser fazer a discursão agente faz” (o pobre diabo tentava desqualificar a nossa empolgação), pobre coitado... saiu da mesa com um caroço na goela com o que o fizemos ele ouvir e com as risadas. Todos riam da pobre criatura que acusava o PT de ser parte de um projeto neoliberal estruturado pelo FMI...

Após as 13:30 eu e aquele primeiro amigo de pátio nos despedimos e resolvi dar umas voltas pela cidade para sentir mais de perto aquele clima. Queria obervar mais manifestações daquele sentimento de grande número de pessoas. Sentimento que poderia ser sentido nas ruas – uma experiência de politização na vida cotidiana. Saí da faculdade e fui para o Shopping Barra. Algumas pessoas conversavam, mas nada caloroso como tinha percebido até ali. Saí e fui para a região do Farol da Barra. Comprei um coco e o “povo”, o rebanho (como Nietzsche nomeia o que temos chamado de manada), estava exaltado, tal qual minhas primeiras constatações. Sentei num dos bandos públicos e comecei a observar. Novamente regozijei com aquelas calorosas conversas. Era o chamado populacho manifestando algo novo... um sentimento que me parecia ser de quebra de grilhões. A Bahia amanheceu livre de mais de quarenta anos de coronecarlismo. O processo de renovação revigorou os ânimos dos baianos e isso era palpável, era concreto, podia ser experienciado por qualquer um, todos éramos parte de um processo.

Passado algum tempo resolvi ir até a Piedade e ao Pelourinho. Chegado à Praça da Piedade imediatamente me deparei com gritos, com conversas exaltadas, e mãos que sacudiam um jornal do dia. Era um grupo de senhores e dois vendedores de café que conversavam sobre a “merecida surra de ACM”. Sentei ao lado deles e só então me dei conta que aquela eleição valia mais pela destituição que pela própria eleição. Aquela conversa era a mais efervescente de todas. E, por toda a praça só se conversava sobre a vitória de Wagner, a surra de ACM, a cara de Paulo Souto na entrevista, a derrota dupla de ACM com a derrota de Tourinho e Souto nas urnas, entre outros mesmos temas.

Mas foi ouvindo uma outra conversa na “praça da Cruz Caída”, na antiga Sé, que me dei conta de um outro elemento. A propaganda do PT “Vote do time de Wagner e Lula” criou um contra-ponto prático: “Não vote no time de ACM”. Já tinha ouvido isso numa linha de ônibus para o Nordeste de Amaralina: “agente não podia votar de novo no time deles [de ACM]... eles já tem muito tempo aí...”. No pelourinho, dois policiais, três rapazes e uma “baiana” conversavam sobre o assunto do dia e referiam-se ao time de ACM. Em momento algum falaram em time de Wagner e Lula. Por um lado, isso deixava este processo de distituição/eleição mais evidente, por outro a despeito dos números das pesquisas do IBOPE, Data Folha e Vox Populi, a propaganda podia ter motivacionado, insuflado, mexido... numa disposição latente nos baianos. Parecia ser notório o patamar de cinismo dessa manutenção do carlismo na Bahia à base de propagandas. Faltava algo que alavancasse o sentimento contra um esquema político de alternância no poder. Fiquei pensando se o que estava sendo dito sobre a propaganda não apontava para uma eficácia midiática. Foi esta propaganda que deflagrou um processo silenciado pelos números das pesquisas quantitativas-especulativas? O que levou a esse movimento calado de desejo de destituição do coronecarlismo nas urnas? A surpresa dessa destituição-eleição deveu-se a um movimento silencioso para que não houvesse uma decepção maior com re-eleição de Souto? 54% dos eleitores deram seu voto a Wagner na tentativa de um segundo turno?

Deixo estas interrogações, pois não quero especular além do que já fiz. Quero compartilhar um dia de caminhadas pela cidade em busca de sentir mais de perto o turbilhão que movimentava os ânimos daquela segunda-feira. Meu ponto é este sentimento que estava visitando os baianos que se sentiam parte do processo. E porque não dizer todos os baianos? Quando cheguei em casa um dos membros da minha família estava cabisbaixo porque não queria uma re-eleição de Lula e ansiava por uma “surra” no PT. Ele era contra as “safadezas do governo Lula”. A questão é que ele estava emocionalmente afetado com o mesmo processo. Chateado, não gostou, mas algo o incomodava... o mesmo processo de destituição/eleição o atingiu de algum modo. O que percebi foi que o sentimento de “alma lavada” atingiu a todos ou a grande parte dos baianos, de uma forma ou de outra.