terça-feira, outubro 31, 2006

"Republico mesmo!" Parte 1 - Sobre amigos e universos semânticos

Amigos são a família que escolhemos ter. A frase é um clichê antigo, mas válido. Contudo, cabe acrescentar que essa escolha é sempre limitada pelo nosso pequeno universo. Na nossa sociedade pós-moderna, onde os homens correm a todo instante atrás de seus horários e atividades,invertendo a ordem minimamente inteligível das coisas,ninguém perde tempo com atividades fúteis como fazer amigos. Se podemos ao mesmo tempo estar na faculdade e faze-los, tudo bem. Se não, sobrevivemos sem eles. Desta forma, nosso universo de amizades torna-se bastante limitado. Os amigos da faculdade, os amigos do trabalho... O mundo capitalista das maravilhas consumíveis forma pessoas cada vez mais limitadas, presas nos seus próprios mundinhos.
Refletindo sobre isso, pensei nos amigos de infância. No quanto é embaraçoso encontrá-los. É estranho demais... Algumas pessoas chegam a evitar esse tipo de encontro. O motivo é simples: depois dos cumprimentos, a única pergunta que sobra é " e ai, como você tá?" . Depois disso, o papo que sobra é inversamente proporcional à quantidade de tempo que essa pessoa deixou de fazer parte de seu "mundo". Amigos deixam de serem amigos cada vez mais rápido, nos dias de hoje. E por que será?
Sem querer afirmar, com todas as letras, que a Antropologia pode nos ajudar a refletir sobre inúmeras dessas questões intrigantes - nem muito menos confessar que ela pode acabar fundindo de vez a cuca dos que se entregarem totalmente aos seus "objetivos" -, digo que a noção de universo semântico, usada como pano de fundo por Geertz em "A Interpretação das Culturas", é muito válida nesse sentido. Geertz, interessando em entender culturas diversas da sua, supõe que, havendo dois universos semânticos, ou campos de significação do real( ou ainda simplesmente culturas) diversos, a zona de interpenetração entre eles permitiria uma compreensão, por parte do antropólogo, de alguns aspectos da cultura alheia. Essa interpretação teria como consequência um aumento da área de interpenetração entre as culturas, fazendo com que fosse possivel, a cada novo aumento, entender mais e mais aspectos de uma cultura diversa. É bem mais fácil entender se os amigos pensarem naqueles esquemas que nossos ilustres professores de matemática usavam para representar conjuntos numéricos que possuem números em comum. É como se a intersecção crescesse a cada nova interpetração antropológica.
Se ficou chato, não importa muito; o que queria era resgatar a idéia de universo semântico. É engraçado como na nossa atual sociedade os universos semânticos se subdividem e, por consequência, se mutiplicam a cada dia, a ponto de você não conseguir estabelecer um diálogo de mais de três minutos com alguém que fora seu bom amigo a pouquíssimo tempo. As pessoas estão cada vez mais enfiadas em suas atividades, nos seus horários, nos seus problemas, que acabam reduzindo ao limite extremo sua rede de amigos ( reais, orkut não vale...). É aquela história, antes tinhamos pessoas que sabiam quase nada de quase tudo; hoje, nos tempos do "especialista", temos pessoas que sabem quase tudo de quase nada. Um doutor em articulações dos dedos do pé... Me diga, caro leitor, o que você poderia conversar com um doutor em dedos dos pés?
Soluções para tal mal do mundo pós-moderno não são assim tão fáceis. Talvez um pouco de atitude "antropológica", no sentido de estar sempre querendo avançar no universo semântico dos velhos amigos, exigiria muita disciplina, além de uma coragem enorme de se empenhar numa atividade que poderia deixar qualquer um maluco...Em que cabeça cabe, tudo junto, o universo semântico daquele doutor em dedos do pé e de um cobrador de ônibus, por exemplo? Ser antropólogo é dar um passo largo em direção à loucura... Tô fora!

3 Comments:

Blogger Antonio Rimaci said...

p.s.: é importante ressaltar q esse texto foi escrito antes do "encontro dos ratos". É uma prova de q só continuo apreciando a companhia de vcs pq os senhores ratificam o que eu já pensava, há muio tempo. rsrsrs

abraços

12:44 PM  
Blogger Fernanda Furtado said...

Não entendi se você nos ama porque nossos universos semânticos são relativamente semelhantes ou se você acha que nós somos loucos porque passamos tempo demais no universo semântico de São Lázaro. O fato é que adorei seu post. Estou gostando dessa movimentação bloguística, pena que logo vou ter que escrever alguma coisa para não me sentir culpada.

Bjos

10:24 PM  
Anonymous Anônimo said...

Todos nós nos amamos porque somos úteis uns aos outros. No entanto, a moral nos impede de reconhecer isso: seria maldade. Então inventaram o termo amizade. Finda a faculdade, os universos semânticos se rompem e cada qual segue seu caminho. Choramos pela separação: é a expiação da culpa moral. Mas no fundo, cada qual sabe que os velhos amigos perderam sua utilidade. É preciso arranjar novos. O prazer não é com o amigo, mas consigo mesmo através do amigo. Em tempos vindouros olharemos para trás com a sensação atávica de culpa: como pude ser tão cruel?

Esse é o outro lado - o lado obscuro; aquele que remetemos a um processo de repressão inconsciente - do post romântico a la Goethe que fiz sobre nossa separação inevitável.

Amo a todos vocês. Mas o que é mesmo Amor?

(Desculpem-me o momento sombrio.)

12:45 AM  

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