quarta-feira, outubro 11, 2006

Em busca da terra do nunca

Juventude. Fase da vida repleta de sonhos. Repleta, também, de mudanças. E a cada mudança na vida, muda-se também a vida. Cada término, um novo recomeço. Às vezes muda-se tudo. E do velho restam apenas as boas lembranças. E nas lembranças, até o que foi vivido como algo ruim transmuta-se milagrosamente em algo bom; o que foi amargo passa a ser uma doce lembrança de um tempo que se foi. Fica sempre a impressão de que uma parte de nós mesmos foi junto com o tempo e que agora somos já uma outra coisa: mais maduros, sim, mas também menos crianças – o que é grave.

Há cerca de um mês atrás um ex-colega meu de segundo grau me enviou uma mensagem de celular. Tinha ido morar no interior do estado e havia acabado de retornar à capital para trabalhar. Não nos vemos desde o término do terceiro ano. Éramos muito bons amigos e dividimos momentos maravilhosos juntos. Lembro de todas as nossas bagunças – e olha que éramos demasiado bagunceiros. Mas ele já não é ele. Eu já não sou eu. Ambos mudaram. Ele se tornou um trabalhador não sei de que. Eu me tornei um indivíduo intelectualizado que fica lendo Locke e Nietzsche. Há um fosso entre nós. O reencontro passa a ser algo doloroso: ambos descobrem que a dupla de amigos do segundo grau já não mais existe. Resta apenas a lembrança.

Esta situação me fez lembrar que em junho do ano que vem eu concluo o terceiro grau. Será mais uma transição do tipo acima colocada. Mais uma vez haverá a despedida de amigos feitos que prometerão manter o contato, pactos serão tecidos em vista de manter a ligação amical, mas a maior parte nunca mais se verá – ou quando eventualmente se ver já não se saberá mais como agir um em relação ao outro. Será uma situação no mínimo desconfortável, racional, cautelosa e distante. A amizade escolar tem um contexto e encerrado o contexto encerra-se a amizade.

O grupo que hoje compõe este blog é bem sintomático do que digo. Sete indivíduos que entraram juntos no curso, em 2003, e conviveram até o final. Não sem momentos de estranhamento mútuo e distanciamento. Questões políticas, ideológicas, pessoais etc causaram distâncias que, às vezes, duraram semestres. Poderia ser traçada uma curva estatística de densidade amical que resultaria em uma parábola: no início, uma grande amizade regada a álcool e bagunça; depois um distanciamento; por fim, a religação mítica através do contato acadêmico que se transformou em um contato endêmico. Nunca a amizade foi tão forte: encontros ao sábados, chapa renovadora para o D.A., cervejas, conversas, discussões, brincadeiras e jocosidades, atravessamentos, caranguejos e papos de MSN. Agora pressente-se que o momento da despedida se aproxima.

A situação é particularmente mais grave em relação a dois colegas que provavelmente nos deixarão por um tempo para curtir ares mais civilizados no centro mundial do capitalismo. Ao voltarem, eu estarei saindo. Se tudo der certo saio de Salvador, e aí o distanciamento estará completado.

Não falo do distanciamento total, da ausência de um contato esporádico e burocrático; ademais, resta ainda o contato virtual, proporcionado pelos MSNs e Orkuts. Mas já não mais será o mesmo tipo de contato. Poderemos ser um dia colegas de departamento, mas aquela amizade bonita era do tempo de graduação. Poderá surgir uma nova amizade bonita, mas será sempre de um outro tipo. Ao concluirmos o nosso curso, concluímos socialmente uma fase de nossa vida: crescemos.

É assim que hoje entendo colegas que fazem de São Lázaro uma moradia e recusam-se a completar seus cursos. São como Peter Pan e recusam-se a crescer; recusam-se a entrar numa nova fase que já não comporta os sonhos pueris compartilhados tão fortemente em coletividade; recusam-se a entrar no mundo real da competição e da solidão. É ainda um resquício da tentativa de construção de um mundo alternativo que tanto empolgou a juventude nas décadas de 60 e 70. No entanto, a realidade está às portas e parece que todos deste blog por elas entrarão. Transporemos juntos a portinha do EXIT mostrada no Show de Truman, mas do lado de fora inevitavelmente nos despediremos. Cada qual terá que cuidar de si, tomar seu próprio rumo, pois este é o peso que a responsabilidade existencial, como nos diz Sartre, nos coloca. Restará sempre, no entanto, a lembrança daquilo que foi sublime; do contato que nos acrescentou e nos deu uma transcendência momentânea.

Virão sempre outros contatos e sempre outras despedidas. E que não sejamos tão infelizes a ponto de perdermos de vista a busca da terra do nunca.

5 Comments:

Blogger Murilo said...

Puta que pariu, desgraça... isso poderia ser daqui a dois meses... a ré plica só virá neste tempo...

9:31 PM  
Anonymous Anônimo said...

Vc sempre me consegue deixar mais deprimido do que estou e sou...

11:07 PM  
Anonymous Anônimo said...

Quando entramos no curso pensamos, chateados, quão distante está o término. Ao chegarmos perto do fim, pensamos, chateados, que foi tudo muito rápido e que o tempo não nos foi amigo. É o que Nietzsche quis dizer quando defendeu que - assim como no xadrez onde o objetivo não é o xeque-mate, mas o prazer do jogo - na vida o importante é a busca e não o alcance, pois não há fim e tudo retorna eternamente.

De qualquer forma, desde já agradeço a todos a companhia nesta jornada. Me orgulho de os ter como amigos.

1:08 AM  
Blogger Antonio Rimaci said...

porra, eu fiquei extremamente abatido ao ler esse texto. Me vieram milhões de lembranças, incertezas e verdades absolutas... Tenho um pouco de medo do que há de vir, apesar de saber que o que vc descreve eh irritantemente verídico. Resta o consolo de termos, ainda, alguns meses...Alguns de vcs irão fatalmente sumir, mas pretendo n largar do pé de um ou dois, pelo menos!

e a cia do subterraneo sempre existirá como lembrança, e lixo virtual!

um abraço a todos!

1:26 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ihhhhhhhhhhhhhh
Que baixo astral! Eu n sentirei saudades de um monte de lixo!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Ah, e principalmente dos fenomenólogos! Lixo!

10:20 AM  

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